terça-feira, 8 de novembro de 2011

O valor das ONGs

O trabalho transformador das organizações filantrópicas (ONGs ou OSCIPs) é inquestionável. Bill Drayton, fundador da Ashoka, há anos estuda o impacto dos empreendedores sociais na sociedade e aponta a tendência das organizações cidadãs (como chama o terceiro setor) de aumentar em número exponencialmente.
Na Índia, por exemplo, são mais de um milhão e nos Estados Unidos dois milhões de organizações filantrópicas, 70% delas tendo sido criadas nos últimos 30 anos. Na área ambiental, por exemplo, houve um aumento de 61% entre os anos de 2002 a 2005.
No Brasil, o número de organizações do terceiro setor também cresceu significativamente. O Cadastro Central de Empresas (Cempre) registra o número de 338 mil, divididas em categorias diferenciadas por conta de características como estrutura, tamanho e estabilidade financeira em que se encontram.
No estudo realizado pela ABONG, muitas organizações sem fins lucrativos são frágeis e as remunerações salariais aquém do mercado, quando comparadas ao setor privado ou a cargos públicos. Mesmo assim, não há indícios de redução de interesse em criá-las ou de atraírem adeptos a elas.
As razões para o número de ONGs ser crescente mundo afora são muitas, como mudanças rápidas e imprevisíveis que vêm ocorrendo na atualidade, o que exige criatividade e espírito empreendedor para minimizar os efeitos que muitas vezes são novos para a humanidade.
As questões internacionais também exigem novas iniciativas como intercâmbios e colaborações entre países ou setores específicos. Mas, é a incapacidade ou inadequação do Estado em suprir as necessidades sociais básicas em áreas como saúde, educação, meio ambiente, justiça social, entre outras, onde reside uma das principais razões de ser das organizações de fins ideais.
No Brasil, e provavelmente em muitos outros países onde há corrupção, essa situação é ainda agravada, pois os recursos que seriam destinados a suprir as necessidades da sociedade são desviados.
Mas o valor dos empreendedores é incontestável. A própria Folha de S.Paulo, junto com a Fundação Schwab, da Suíça, oferece anualmente o Prêmio Empreendedor Social, que reconhece o empenho de pessoas dedicadas a causas diversas. O valor desses líderes é reconhecido mundialmente.  Drayton os considera essenciais para a evolução humana, pois percebe a capacidade que têm de responder com criatividade aos desafios que emergem.
Mudar padrões emperradas que causam males à coletividade a partir de visões que trazem soluções efetivas é uma das características desse perfil. Essas pessoas, em geral, não descansam até ver as questões com as quais se envolvem solucionadas. Drayton chega a afirmar que os empreendedores são os maiores responsáveis por mudar o mundo para melhor.
O Brasil é o país com o maior número de fellows, como são chamados os empreendedores apoiados pela Ashoka, organização conhecida pelo criterioso processo seletivo.
São mais de 340 fellows no Brasil trabalhando em áreas como educação, direitos humanos, meio ambiente, saúde, desenvolvimento econômico - campos que geram benefícios à sociedade. Esse pode ser um indicador da qualidade do que é produzido no país.
Celso Grecco, criador do Bovespa Social, iniciativa que integrou o mundo corporativo ao das ONGs de forma inovadora, trabalhou para oCharity Bank a Inglaterra de 2007 a 2010.
Ajudou a formular o reposicionamento estratégico e branding da empresa: “um banco diferente para pessoas que querem um mundo diferente”. O Banco implantou mecanismos vanguardas e acabou sendo a primeira organização social do mundo autorizada a se tornar um banco – devidamente regulado pelo sistema formal do Reino Unido (Financial Service Authority).
O modelo é único até hoje, pois sua função básica é emprestar recursos para ONGs. O Charity Bank já emprestou diretamente 150 milhões de libras esterlinas para aproximadamente 900 ONGs. O banco calcula que os resultados gerados são tão eficientes que equivalem a 600 milhões de libras, ou seja, quatro vezes o valor emprestado. Mas, fundamental é disseminar a taxa histórica de 0,3% de inadimplência, o que atesta a seriedade do terceiro setor de uma forma geral.
No Brasil, os dados também demonstram a seriedade da grande maioria das organizações sem fins lucrativos, o que vai na contramão da recente decisão governamental de suspender o repasse de verbas às entidades filantrópicas. Uma carta aberta enviada à Presidente Dilma (28/10/2011) pela Plataforma por um Novo Marco Regulatório para as Organizações da Sociedade Civil aponta as incongruências divulgadas contra as organizações sem fins lucrativos:
Segundo o Portal da Transparência de 2010, das 232,5 bilhões de transferências voluntárias do governo federal, apenas 5,4 bilhões destinaram-se a entidades sem fins lucrativos de todos os tipos, incluídos partidos políticos, fundações de universidades e o Instituto Butantã, por exemplo.
Foram 100 mil entidades beneficiadas, 96% delas por transferências de menos de 100 mil reais. Se juntarmos todas as denúncias contra ONGs publicadas na imprensa nos últimos 24 meses, as entidades citadas não passariam de 30, o que nos leva crer que além de desnecessária, a suspensão generalizada de repasses poderia constituir medida arbitrária e de legalidade questionável, que criminaliza a sociedade civil organizada.
De acordo com Silvia Picchioni, da Fundação Grupo Esquel do Brasil e secretária-executiva do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, o decreto publicado pelo governo é "injusto" e "prejudica mais do que corrige”. Ela afirma que as irregularidades estão relacionadas às ONGs “montadas por políticos e partidos, que deveriam ser o alvo [das ações do governo] e não são.”
É hora de separar o joio do trigo. Os dados confirmam que há mais trigo do que joio nessa equação, o que sem sombra de dúvida é um sinal promissor. Mas, infelizmente, o joio ameaça contaminar o cenário das organizações sem fins lucrativos, e a sociedade brasileira tem muito a perder.
Precisamos urgentemente encontrar meios para que o empreendedorismo marcante entre as organizações da sociedade civil prevaleça.
Escrito por Suzana Padua, Ipê, às 20h56

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Edvalda Pereira Torres Lins Aroucha (Valda Aroucha)
Coordenadora Geral da AGENDHA
www.agendha.org.br
(75) 3281 5370

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